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Concunhada não é parente

Concunhada não é parente

Author:Paola Fanticelli

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Introduction
Quando conheceu Olga, sua cunhada, Cristina estaria mentindo se dissesse que não gostara dela na hora. Na verdade, começara a detestá-la quase que no mesmo segundo, sentimento que rapidamente se transformou em ódio e numa ferrenha rivalidade com os subsequentes choques entre ambas. Mas, como Cristina logo percebe, Olga pode ser o maior, mas não é seu único problema entre os Resende, onde apenas Maurício, sua fonte se segurança matrimonial, parece relativamente inofensivo.A atração que se desenvolve entre ela e Miguel, seu cunhado, se transforma rapidamente numa fonte potencial de problemas, e Teresa, sua sogra, não demora a mostrar que não é exatamente uma gracinha. Paralelamente a tudo isso, Cristina ainda se envolve numa relação inconstante e irresistível com uma bela tentação em formato de homem - que por acaso também é seu professor.E, se tivesse sido apenas isso, a vida de Cristina já teria sido suficientemente complicada. Infelizmente para ela, porém, houve mais. Muito mais.
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Chapter

No princípio, havia apenas o tédio.

E a falta de dinheiro.

E de perspectivas de futuro.

Até que Cristina encontrou Maurício e fez-se a luz.

Ela não tinha nenhuma inteligência aproveitável. Pelo menos academicamente. No ano do vestibular, e estudando no caro e exclusivo Colégio das Irmãs Beneditinas, então, isso se tornava óbvio. Não era que ela fosse burra, só não tinha paciência. E, além disso, ela não precisava de inteligência. Já era bonita e peituda. O que era suficiente para seus projetos, que basicamente constituíam em encontrar um cara com grana, conseguir casar com ele e viver então da grana matrimonial. Se ele fosse bonitinho seria, claro, melhor.

Então, quando ela conheceu Maurício Resende, recém-solteiro, no colégio e soube que ele era rico – não o suficiente para seu papai estar na Forbes, verdade, mas rico para ter várias coberturas básicas pela cidade -, Cristina soube o que tinha que fazer.

Porque interpretar uma adolescente burra que engravidava por acidente era fácil. Muito fácil. Mais tarde, ela perceberia o erro de avaliação sensacional que fizera ao ter essa ideia, mas só mais tarde. Naquele momento, foi isso que ela fez. Foi difícil, bem difícil. Maurício parecia ter tanta vontade de ser seduzido sexualmente por uma garota quanto de arrancar um dente sem anestesia, mas acabou acontecendo. Precisou quase de uma chave de braço para arrastá-lo até algum lugar que tivesse uma cama, no caso, na sua casinha de subúrbio. Cristina era muito mais humilde do que seus colegas de sala, e só tinha a vaga naquele colégio porque sua mãe era pedagoga lá, mas estava disposta a se igualar a eles. Por qualquer método.

Mas não deu certo. Quase como se estivesse escrito que não daria, se ela acreditasse naquelas bobagens. Porque era seu dia fértil e eles não usaram nada, porque Maurício foi otário em acreditar que ela tomava realmente pílula. E porque ela tinha 18 anos, o auge da fertilidade feminina. Mesmo assim... não deu certo, e ela menstruou. E fim de história, já que ela tinha um pressentimento que não era bom tentar novamente, que não daria em nada. Era meio paradoxal, mas, ao mesmo tempo em que Cristina não acreditava em destino, acreditava em pressentimentos. E em astrologia. Era Leão, e achava que seu mapa astral batia direitinho com ela. Assim como aqueles eventuais presságios com o que eventualmente acabava se realizando.

Naquele dia específico de início de setembro, quando ela completava seis meses de namoro, ela teve um desses presságios. De que as coisas mudariam para ela dali em diante. Que a maré mudaria a favor dela.

Vendo esses pressentimentos depois em longo prazo, isso foi bem relativo.

- Ah, Maurício, eu estava pensando.

E fez uma pausa.

Maurício parou de ler e olhou para ela com uma interrogação metafórica no rosto. Bom aluno, ele conhecia as notas de Cristina e devia ter medo quando ela pensava.

- Estamos namorando há seis meses – continuou ela, cruzando as pernas, sentada com ele num banco relativamente discreto do pátio, onde esperava que as irmãs beneditinas que dominavam aquele colégio não viessem gritar com eles. Na verdade, gritar com Cristina. Maurício nunca fazia nada errado.

E fez outra pausa.

Maurício fechou o livro com o cuidado de quem nada entende. Compreensível. Cristina sabia que era mesmo confuso, e irritante, mudar o modo de falar tão radicalmente, de falar rápido e bastante para falar devagar e pouco. Bem, agora ela tinha a atenção dele.

- Sim, eu sei – disse ele, cuidadoso, bem devagar.

Cristina controlou-se para não sorrir. Ela não era sentimental, mas, quando ficava confuso, Maurício ficava parecendo um cachorro basset chutado pelo dono, com seus cabelos escuros indomáveis

não por falta de tentativa

e os olhos escuríssimos, quase como poços de petróleo. E isso era adorável.

- E então.

E a pausa.

- E então o quê? – perguntou ele com um tiquinho de impaciência.

Cristina decidiu ir direto ao assunto.

- Você sabe. Seis meses e nem conheço sua família.

Ele ergueu as sobrancelhas, respirou fundo e pegou nas mãos dela.

- Cristina, eu gostaria disso. Mas acontece que você tem alguns probleminhas que deveríamos consertar antes de apresentar você à minha mãe.

Cristina franziu a testa. Maurício falara aquilo como que dizia apresentar você à Sua Majestade, a rainha. Imaginou-se fazendo a reverência a toda poderosa Sra. Resende.

- Quais problemas, Maurício?

- Não é nada grave – começou ele, sem graça – É que minha mãe é católica, entende? Ela tem ideias sobre o que é uma mulher decente, e você...

- Nem parece com elas? – completou Cristina, um tantinho aborrecida.

- Não. Você está ligeiramente fora delas. Um dedinho, juro – parou e corrigiu, contrafeito, depois que reparou no esmalte vermelho dela – Talvez dois.

- Qual é o problema?

- Usar camisas mais fechadas seria bom, mas...

Esse tipo de reação ajudava Cristina a pensar que, na real, ele era gay. Que espécie de homem reparava nos peitos de uma mulher e não esboçava nenhuma reação positiva? Ele nem mesmo pegava direito neles, por Deus.

-... acho que o pior é o cabelo.

- O quê?

- Desculpa por isso, mas parece de prostituta. Segundo minha mãe, ao menos.

Cristina passou os dedos pelos cabelos ondulados, contrafeita. Ela tinha orgulho da beleza de seus cabelos acajus, adquirida via tintura. Mas mauricinhos eram mauricinhos.

- Não parece natural, você quer dizer?

- Não – confirmou ele, fazendo um sinal de negativo com a cabeça e, pegando Cristina pelos ombros e virando-a, começou a análise – Você realça muito a cor. Ele podia ser cobre, ou castanho-avermelhado, e não...

Cristina desligou. E ainda falava como um cabelereiro. Não dava para negar mesmo.

-... enfim, não...

- Dá – concluiu ela, girando de volta e olhando-a bem nos olhos – Saquei. Vou pintar de uma cor mais natural. Talvez vermelho escuro, sei lá.

Maurício sorriu e a abraçou meio num rompante. Surpresa e desconcertada por um gesto tão atípico, Cristina demorou em abraçá-lo de volta.

- Você entende – disse ele meio aliviado. Pelo visto, já tivera algumas namoradas reprovadas pela mãe tirana – Obrigado.

Embora sem entender muito porque ele agradecia por ela tirar aquela tinta no cabelo, Cristina assentiu.

- Sabe – prosseguiu ele, sorrindo – É por essas coisas que eu te amo.

Cristina paralisou. Era a primeira vez que ele dizia isso.

Bonitinho, rico e a amava. Era seu dia de sorte. Absolutamente perfeito.

Maurício era o melhor de dois mundos: era rico sem ser um feio escroto, como era desagradavelmente comum em tal meio. E Cristina estava começando a perceber que ele estava encantado o suficiente por ela para não precisar de muita coisa para continuar com ele. Só ser ela mesma.

Ou quase. Existiam coisas que ele não iria suportar. Tipo ela tentar ficar grávida de propósito. Aliás, ela começava a ver aquilo como uma grande estupidez. Pareceu valer a pena por algumas semanas, sim, mas apneia também parecia, e muitas pessoas se escapelavam.

Mas nada disso entrou no mérito da questão depois que Cristina conheceu seu cunhado, o irmão gêmeo não idêntico

como Maurício fizera questão de destacar quando ela lhe pedira que falasse sobre sua família

de seu namorado. Porque Miguel era o melhor de três mundos: rico sem ser feio escroto E bem gostoso, como todo bom escorpiano era e Maurício era incapaz de ser. Portanto, mesmo que ela considerasse que ele precisava lavar aquela camisa preta e cortar o cabelo abominavelmente sem corte, tão indomável quanto o de seu irmão, era pegável até dizer chega. Não que Cristina planejasse dizer chega.

Até porque ela podia cobiçá-lo o quanto quisesse, já que jamais o teria. Primeiro, por que... era seu cunhado, oras. Simplesmente não se podia ficar com o cunhado. Era uma questão moral e lógica. Por mais que Miguel fosse um belo pássaro voando, ela já tinha Maurício bem preso dentro da gaiola, e não ia arriscar um para pegar o outro.

Segundo, porque ele não era exatamente um pássaro voando livre. Ele tinha uma namorada, como Cristina descobriu em 15 minutos. Uma namorada grávida. E queria casar com ela.

A mãe dele, a já semi lendária Teresa Resende, discordava da intenção, e manifestava isso com toda intensidade naquele momento. O rosto da mulher já estava vermelho de nervoso, condição realçada pelos cabelos loiro-escuros despenteados de forma muito calculada.

- Você tinha um futuro tão bom! – choramingava ela, com os olhos cheios de lágrimas – Por que vai fazer isso? Você mal a conhece!

Miguel a olhou com impaciência.

- Ela é irmã de um amigo meu do colégio, conheço ela há anos.

- Conhecendo o nível dos seus amigos, não pode ser nada bom – disse Teresa asperamente, parecendo soluçar em cada sílaba.

Enquanto isso, Cristina via televisão e fingia que nem estava ali. Porém, enquanto observava distraidamente um documentário sobre a reprodução de moluscos, estava tentando arquivar cada palavra em sua mente.

Então, Teresa começou a chorar. A expressão determinada de Miguel ficou abalada.

- Mãe, esse não é o fim do mundo.

A cara dela dizia exatamente o contrário. Talvez estivesse deprimida com a perspectiva de um neto sem pedigree.

- O que você acha? – perguntou ela para Cristina de súbito, parecendo menos histérica.

Miguel descruzou os braços e a encarou como se a visse pela primeira vez.

Cristina desligou a TV e respirou fundo enquanto a imagem ia embora.

- Bem – começou ela, alisando a calça com mais força do que pretendia e imprimindo à sua voz um tom humilde que não tinha de forma natural - uma gravidez é importante e acho que não pode passar sem...

-... uma pensão – observou Miguel irrefletidamente – Ia ser uma grana.

Maurício deu um risinho, fazendo Cristina se sobressaltar. Esquecera totalmente da presença dele.

- Acho que entre suas qualidades não podemos listar a sensibilidade. Ah, Miguel, você realmente a ama, não ama?

Miguel o perfurou com o olhar.

- Sensível ou não, pelo menos eu planejo ter uma carreira de homem – retrucou ele, e com uma risadinha – Letras, francamente.

- Miguel, você não planeja nem começar uma faculdade, conheço você.

Miguel trancou a expressão, e Cristina percebeu que a discussão iria se degenerar.

- Me conhece porra nenhuma! – esbravejou ele.

- Miguel! – repreendeu Teresa, acordando de um breve transe.

Cristina continuou caladinha.

- Pensando bem, acho que você está certo – admitiu Maurício com evidente dificuldade, e então, sorriu – Com uma cabeça tão vazia como a sua não há muito o quê conhecer.

- Parem – mandou Teresa antes que Miguel pudesse abrir a boca.

Então, tão rápido como se degenerara, a discussão acabou. Maurício sentou-se ao lado de Cristina e Miguel pigarreou, cruzando de novo os braços que descruzara. Cristina sentiu ondas de não realidade e teve vontade de rir daquele absurdo. Parecia que ela estava dentro de um livro ruim.

- Então, Cristina, acho que você estava falando.

Por um segundo, pareceu que era Miguel que estava falando e, Cristina se aprumou, mas era Maurício.

- Era só aquilo – disse ela, terminando o discurso de forma nada impactante, relaxando o corpo – Mesmo – reafirmou ela quando percebeu que Miguel continuava a encarando. Só depois entendeu que ele estava era dando uma sacada nos peitos dela. Na frente da mãe. E do irmão.

- Nunca teve muito o quê discutir. Ela vem aqui hoje e espero que seja bem tratada.

Teresa pareceu estar tendo uma apoplexia pelo choque.

- Como?

- Ela vem aqui hoje. Almoçar conosco. Deve estar chegando, aliás.

- Como você faz isso sem me questionar?

Miguel deu de ombros.

- Ela já vinha aqui – disse, indicando Cristina e lhe lançando um breve olhar de interesse – Achei que não teria problema.

Teresa fungou. Definitivamente não tinha a tal namorada de Miguel em alta conta.

- Como você quer casar com uma mulher que eu sequer sei o nome?

- Não seja por isso – disse ele, sorrindo – Olga Rachmaninoff.

- O quê?

- Rachmaninoff – repetiu ele pacientemente.

- É eslavo? – perguntou Teresa, talvez mais interessada.

- O avô paterno dela era russo.

Cristina franziu a testa enquanto imaginava. Uma garota de ascendência russa. Beneficiada pela genética para ser bonita.

No final, não era, como percebeu Cristina assim que a viu, alguns minutos depois. A verdade era que Olga Rachmaninoff era feia.

Talvez não feia, mas decididamente não a beldade eslava que Cristina imaginava. Ela era baixa e magra, com rosto achatado, mas não totalmente desprovida de encantos, de uma maneira geral. Dava para entender como Miguel se apaixonara por ela, mesmo que os peitos fossem minúsculos.

O que não dava para entender era porque ela tinha traços de japonesinha. Aliás, traços não; ela era uma japonesinha.

Foi um choque para quem esperava uma beleza russa.

Teresa evidentemente compartilhava do espanto de Cristina.

- Mas... – começou, intrigada – Pensei que ela fosse russa.

Assim mesmo, falando dela como se a garota não estivesse ali.

Olga a encarou. Foi quando Cristina percebeu que ela era uma garota firme.

- Talvez eu seja uma vira-lata – retrucou ela meio bruscamente.

Isto foi o suficiente para Teresa antipatizar de vez.

Cristina, por sua vez, bem que tentou, nos minutos que antecederam o almoço, ser simpática com Olga Rachmaninoff, mas não deu. Simplesmente não rolou. Assim como Teresa, ela antipatizara de cara, principalmente depois de descobrir que ela era também leonina. Dois leões nunca se davam bem, afinal. Ou talvez fosse algo mais simples: ela seria incapaz de gostar de qualquer namorada do seu gostosíssimo cunhado. Ou ser algo espiritual, ou qualquer coisa assim. Seja como for, elas já se sentaram para o almoço sem se bicar.

Mesmo assim, mesmo que não tivesse rolado nenhuma simpatia, Cristina podia ter se recuperado e convivido com a tal Olga com mais amabilidade pelos anos seguintes se só tivesse acontecido aquilo. Afinal, primeiras impressões nem sempre se confirmam. Se tivesse sido apenas esse primeiro choque, as coisas talvez tivessem ficado bem entre elas pelos vinte anos seguintes.

Mas não, Olga Rach-não-sei-de-quê tinha que ter mais surpresas.

- Sou vegetariana - mandou ela assim que viu a adorável carne vermelha preparada para o almoço.

Teresa fez cara de choro. Um de seus passatempos de rica era cozinhar, e ela sabia fazer isto bem. Fizera todo o almoço sozinha. Ou fora o que dissera.

- Mas você precisa de carne – opinou Cristina - Para sabe, o bebê.

Olga a olhou com rancor.

- Não sou nenhuma estúpida. Tomo suplementos.

- Seres humanos precisam de carne – opinou Miguel, brincando agora com uma azeitona – Mãe, eu não sabia dessa, juro.

Teresa ainda tinha os olhos úmidos.

- Fiz com minhas próprias mãos – disse ela baixinho.

- Desculpe, senhora – falou Olga, mas era evidente que o estrago já tinha sido feito.

Miguel deu de ombros e colocou uma carne no prato. Comia como um viking.

- Olga está certa.

Cristina olhou para Maurício.

- Confesso que adoro carne – confessou ele, pegando a travessa perto do irmão – mas o que fazem com os animais é desumano.

- Eles são animais, Maurício – disse Cristina enquanto ele passava a travessa para ela - Não têm consciência.

- Nada dá a alguém o direito de tratá-los daquela forma.

- Os animais são nossos irmãos – disse Olga.

Cristina olhou para ela.

- Lamento, mas eles estão embaixo de mim na cadeia alimentar.

- Que bom então que você é racional e pode escolher não comê-los.

Cristina deu de ombros e pegou a travessa.

- Eles são gostosos, a culpa não é minha.

- Sim, é – continuou Olga, intocável – Se você come, compra a carne, e dá motivo aos fabricantes fazerem isso com os animais.

- Por que você defende tanto isso? É espírita?

- Não, budista.

Cristina ficou sem ação. Como assim, budismo no Brasil? Como alguém podia? Era uma religião bizarra.

- Budismo? A religião daquele carinha indiano?

- Sim.

- Ele não saiu do lado direito de sua mãe ou algo assim?

- Exatamente, mas...

- Me desculpa, Olga, mas eu não consigo levar a sério uma religião que seu fundador saiu andando da mamãe dele.

O lábio superior de Olga crispou. Cristina tinha atingido um ponto sensível. Mas, surpreendentemente, ela não se irritou. Pelo menos não visivelmente. A única coisa que fez foi:

- É, Cristina.

Era a primeira vez que Olga dizia o nome dela. Então, ela sorriu e pegou a salada.

Cristina teve uma breve vontade de estapear aquela carinha oriental. Como alguém podia ser tão controlado?

Foi ali que Cristina começou a detestar Olga Rachmaninoff.